quinta-feira, julho 21, 2016

Inevitável

Eu sou um cara abençoado.
Por mais que a gente reclame da vida, as duas coisas mais importantes para uma pessoa - saúde e família - sempre estiveram presentes na minha vida. Um contratempo aqui e acolá, certo, mas nada que não faça parte da caminhada.

Aqui no Canadá somos só eu, a Tati, Catarina, Thomas... e os cachorros.
O resto da família ficou no Brasil. De vez em quando a gente se encontra aqui ou lá, se fala no Skype, mata as saudades e bota a conversa em dia.
A família da Tati também ficou no Brasil. Já perdemos a companhia da Babi, querida, que foi peça importante em nossa transição na vida adulta e no surgimento dos Lermontov de Senna.
E da Dorinha, que não era minha madrinha (era a da Tati), mas foi a patrocinadora moral do nosso projeto de mudança, dez anos atrás, em 2006.

Uma perda é sempre uma dor. E embora você aprenda que isso faz parte da vida, você nunca está preparado para a próxima.

Mas sempre haverá uma próxima.

Troy e Mel fazem parte da nossa vida desde que nos casamos.
Foi o mais próximo de família que pudemos trazer conosco para o Canadá.

Eles estão com 12 anos e já mostram os sinais da idade avançada. o focinho branco, a menor mobilidade.

Hoje, Catarina viu a Mel com dificuldades de subir a escada, depois de um passeio matinal rápido. Percebendo que não lhes restam muitos anos, ela, pela primeira vez, realizou que podemos perdê-los mais cedo ou mais tarde. Conversamos sobre a inevitabilidade desse fato e ela, com uma lágrima, demonstrou o quão família os cães podem ser.

E, talvez, tenha mostrado o quão sensíveis e puras são as crianças.

Troy não vem se alimentando bem, ou quase nada, ultimamente.
Ainda é o cachorro forte de sempre, mas está magro. Marquei uma consulta no veterinário para segunda feira.

Serie "A Família" - Tomo I

"Família, família
Janta junto todo dia,
Nunca perde essa mania"

Durante muitos anos isso foi verdade lá em casa. Meu pai sempre saía de casa cedo e chegava somente no fim do dia. Minha mãe trabalhava tb o dia todo. Então o jantar era a refeição da família. O Jantar era a hora em que a gente colocava o assunto em dia, eles recebiam os relatórios de acompanhamento feitos por Tiata previamente, e então eu e as minhas irmãs recebíamos os elogios ou as críticas merecidas pelas ações do dia.

Quando fomos crescendo, essa era também a hora em que falávamos de assuntos diversos e discutíamos de tudo, com o tom de voz normal de quem está em pleno Largo da Carioca, pregando contra o capeta que existe no peito de todo pecador do centro da cidade. Essas discussões acaloradas moldaram a forma como eu gosto de defender meu ponto de vista de vez em quando, e as vezes os vizinhos poderiam mesmo achar que a gente estava se engalfinhando pelo chão da casa.

Mas essa foi, na verdade, a melhor lição de democracia que eu recebi. Ali éramos todos iguais e meu pai nos incentivava a expressar nossa opinião, por mais absurda que pudesse parecer. Sempre soubemos quem mandava na casa, embora eventualmente defendêssemos um golpe de estado familiar, prontamente debelado pelo ponto de vista politicamente correto do Sr. Senna.

Ainda hoje, com toda a distância e a dificuldade do dia a dia, cada vez que toca o telefone e é o meu pai, a Tati já sabe: Ihh, agora é pelo menos umas duas horas de telefone...